Pontos cegos nos negócios (ou business blind spots) são mais comuns do que se imaginam e podem causar danos irreversíveis na saúde da sua empresa. Este artigo define o que são pontos cegos, apresenta maneiras de como identificá-los e faz recomendações sobre como minimizá-los.
O que são pontos cegos?
Ponto cego é uma pequena área da retina que não contém receptores de luz. A parte da imagem projetada sobre essa região ocular não é registrada pelo cérebro. O que é curioso neste fenômeno biológico é que pontos cegos não são conscientemente percebidos.
Nos negócios, segundo Gilad, um dos maiores especialistas em inteligência competitiva, o conceito de pontos cegos pode gerar desastres competitivos. Segundo ele, apesar de milhões de análises SWOT serem conduzidas, algumas forças da competição ou fraquezas das próprias empresas simplesmente não são registradas nas suas “retinas”.
Porter define pontos cegos como sendo áreas em que uma empresa não percebe, ou percebe de forma incorreta ou vagarosa, o significado de acontecimentos tais como, por exemplo, um movimento estratégico da concorrência.
Sendo assim, se mudanças na realidade competitiva não são identificadas ou são interpretadas incorretamente, estamos diante de pontos cegos nos negócios. Em situações extremas, essa cegueira pode chegar ao ponto em que pode ser tarde demais abrir os olhos e fazer algo para garantir a sobrevida da empresa.
Uma outra faceta interessante dos pontos cegos é que detecta-los em seus competidores pode ajudar a sua empresa a avaliar quais as estratégias têm maiores ou menores chances de darem certo. Ao se detectar pontos cegos na concorrência é possível avaliar quais movimentos estratégicos que a sua empresa pode implementar no mercado, provocando as menores reações de seus concorrentes. Desta forma, identificar os pontos cegos da concorrência facilita a decisão sobre qual estratégia adotar, considerando os possíveis comportamentos da competição.
Portanto, pontos cegos podem ser definidos como sendo realidades mal interpretadas ou ignoradas por empreendedores ou executivos de empresas ou de seus concorrentes, acerca do ambiente de negócios em que atuam e podem fundamentalmente impactar o desempenho de suas empresas.
Como identificar pontos cegos?
Os pontos cegos ocorrem em organizações que aceitam, de forma incontestável, hipóteses sobre características de competidores, clientes, fornecedores, produtos, serviços ou tecnologias. Tais hipóteses são dadas como certas pelos gestores ou empreendedores e não são verificadas por longos períodos de tempo.
Algumas dessas hipóteses transformam-se em mitos corporativos associados à percepção das próprias empresas quanto aos seus pontos fortes, quando comparadas com seus competidores. Esses mitos podem também estar associados às formas da empresa fazer as coisas, os valores de suas práticas e as “regras do jogo” do setor em que atuam, que se tornam "verdades", "instituições" ou preceitos difíceis de serem passíveis de mudanças.
Outras dessas hipóteses se institucionalizam ainda mais, transformando-se em tabus corporativos. Elas são ou tornam-se totalmente incorretas, mas sobrevivem a ataques, contrariam evidências, transformando-se em hipóteses intocáveis. Tais hipóteses tipicamente recebem o apoio do topo da organização.
A crença sobre a validade dessas hipóteses vai aumentando até o nível de ficarem parcial ou completamente desassociadas da realidade do ambiente de negócios.
Por exemplo, há uma década a Nokia detinha 49% da fatia do mercado global de smartphones, enquanto a Apple, com o seu recém lançado iPhone, tinha apenas 1%. Com o passar dos anos os gerentes em posição hierárquica intermediária na Nokia mantinham-se firmes à hipótese de que os produtos da sua empresa eram superiores. Os produtos de seus concorrentes eram avaliados principalmente em atributos que favoreciam os pontos fortes da Nokia. Destacavam-se, por exemplo, que o primeiro iPhone não possuía tecnologia 3G. Com percepção distorcida acerca da nova realidade que surgia no ambiente externo, gerentes da Nokia tomavam decisões com base na falsa suposição de que eles tinham tempo e recursos suficientes para manter a posição de líderes de mercado. O resultado você sabe qual foi, até hoje ela tenta se reerguer.
Portanto, a empresa deve estar antenada acerca do que acontece em seu entorno para evitar a ocorrência de pontos cegos e principalmente suas consequências mais danosas. Há 3 testes que Gilad indica, para saber o quão bem uma empresa está em relação à sua sintonia com o mundo em torno dela. São eles:
Teste Visceral: A empresa conhece visceralmente o seu mercado? Ela conta com redes de inteligência competitiva, parcerias ou bureaus de inteligência para promover sua atualização e renovação, vis-à-vis o que acontece no mundo externo à empresa?
Teste Reacional: A empresa é capaz de prever reações às suas iniciativas estratégicas?
Teste do Mudo, Cego e Surdo: A empresa sofre de desordem de aprendizagem? Há muita arrogância no topo da organização, ela se fecha para o mundo externo e a cultura é desfavorável à aprendizagem?
Não passando por algum destes testes é hora de identificar especificamente quais pontos cegos existem, para em seguida procurar eliminá-los. Segue uma lista de pontos cegos "genéricos", frequentemente identificados nas empresas:
✗ Eficiência operacional é estratégia.
✗ Diferenças hierárquicas, culturais e vieses não afetam a percepção dos que conduzem a análise SWOT .
✗ Por si só, o planejamento estratégico resolve problemas e promove mudanças organizacionais importantes.
✗ Setores que crescem rapidamente são sempre atrativos para se investir.
✗ As tecnologias avançadas, tendências ou inovações em curso indicam boas áreas para se investir.
✗ A tecnologia de informação nos proporcionará vantagem competitiva sustentável.
✗ A reputação positiva da empresa diante dos seus clientes e fornecedores é sempre uma fonte de vantagem competitiva.
✗ Devemos diversificar, sem a preocupação de gerar sinergias entre os negócios diversificados.
✗ Nossa empresa é moderna, com autonomia descentralizada. Bem, o controle e coordenação centralizadas ainda não existem.
✗ Vamos racionalizar, cortar custos sem a preocupação de revitalizar a organização.
✗ Esta estratégia, mesmo que desprovida de fundamento moral e ético, acarretará em benefícios no curto e no longo prazos.
✗ A empresa que cresce se renovará e sobreviverá.
✗ Estamos no controle. As estratégias em curso da empresa são aquelas intencional e formalmente deliberadas no planejamento estratégico.
✗ O escopo dos negócios é compreendido por todos da organização e as oportunidades que surgem são incorporadas a ele.
✗ A empresa está muito bem, pois atingiu de forma excepcional um ou dois objetivos. O conjunto de objetivos mais desafiadores podem ficar para depois.
Identificados os pontos cegos, finalmente é hora de corrigi-los e em seguida agir para que este tipo de problema não seja recorrente.
Como minimizar os pontos cegos?
A melhor maneira de minimizar a ocorrência de pontos cegos na sua empresa é confrontar o seu conhecimento acerca do ambiente de negócios com uma análise profissional e crítica.
O primeiro passo, espero que você já tenha dado: reconhecer e assumir que há pontos cegos na organização que precisam ser combatidos.
Em seguida, é importante que o mais rapidamente possível seja revogada uma "lei" que comumente encontra-se vigente nas organizações que têm consideráveis pontos cegos. Esta equivocada "lei" diz que a realidade se molda às verdades corporativas. Esta nociva lei corporativa é na verdade um comportamento organizacional muitas vezes inconsciente, característico da geração de pontos cegos. Deve-se combatê-la como se combatem mitos como a mitológica Fênix, pois uma vez destruídos, ressurgem novamente.
Para extinguir e evitar a recorrência de pontos cegos, a empresa tem que promover um processo contínuo através do qual seus mitos e tabus sejam incessantemente combatidos e destruídos. Um líder com legitimidade, influência e visão crítica, preferencialmente uma pessoa no topo da organização pode ser efetivo neste combate, através de uma liderança eficaz.
A organização deve sustentar um clima que promove uma visão crítica e relativamente objetiva da realidade. Cabe à liderança desenvolver uma cultura organizacional que esteja aberta ao mundo externo, que "oxigena" o processo decisório com inteligência competitiva de qualidade e que promova assim visão e direção estratégicas fundamentais para o sucesso da empresa.
Se você não está no topo, pode ser capaz de bem assessorar quem lá está, alertando o que aprendeu aqui sobre como identificar e combater os pontos cegos. Uma boa assessoria em inteligência competitiva é recomendável, para suprir a liderança da empresa com insight (percepeção, perspicácia) e foresight (percepção, perspicácia relativas ao futuro) acerca da realidade do mercado.
“sim, minha empresa tem pontos cegos”
Reconhecer e assumir que "sim, minha empresa tem pontos cegos", já é um ótimo começo. A liderança da empresa, promovendo e coordenando processos de inteligência competitiva, seja através de uma estrutura interna própria, seja através de parcerias ou bureaus de inteligência, reconecta a empresa com a realidade do seu mundo externo. Desta forma, é possível reduzir os pontos cegos de sua empresa, mantendo-a capaz de bem enxergar e enfrentar os desafios de um mercado cada vez mais complexo e em constante mudança.
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