A ansiedade faz com que muitos empreendedores utilizem apenas intuição e vontade para lançarem seus empreendimentos no mercado. O resultado disso é que a primeira estratégia plausível que o empreendedor identifica geralmente é aquela colocada em prática. Como se não bastasse, no meio do caminho o empreendedor descobre que não há fôlego financeiro para crescer o que se esperava. Como consequência, raramente o melhor resultado é alcançado.
A gestão estratégica e o orçamento empresarial (budgeting) podem aumentar as chances de êxito de iniciativas empreendedoras. Embora sejam mais do que tradicionais, tais ferramentas são consideradas desafiadoras, especialmente para startups, pequenas e médias empresas.
Empreendedores cujos negócios estão experimentando taxas de crescimento extremas, sejam elevadas ou negativas, e aqueles que não crescem ou crescem próximo de zero muitas vezes consideram que a incerteza que os cercam não lhes permitem pensar nestas ferramentas de gestão. Quando a situação é desafiadora, adversa ou quando o crescimento não aparece como se esperava, a importância e o desafio de se colocar estas funções efetivamente em prática geralmente são ainda maiores.
Se por um lado a relevância destas ferramentas claramente aparenta ser fundamental e por outro é notável o desafio de simplesmente geri-las, a seguinte pergunta merece ser discutida: é possível fazer uma efetiva gestão estratégica e orçamentária em startups, pequenas e médias empresas? Para responder a esta pergunta, coloco em foco um estudo recentemente publicado pela Harvard Business Review, que pesquisou centenas de startups nos últimos 20 anos. Além disso, faço uso de minha experiência de mais de 20 anos em processos de planejamento e sirvo-me de outras referências em gestão estratégica e budgeting para responder à pergunta deste artigo.
Gestão Estratégica
Analisando inicialmente a gestão estratégica, vale a pena revisitar as bases sobre este assunto que têm sido discutidas aqui no Business Drops com razoável frequência. Já discutimos, dentre outras coisas, o que é estratégia, vimos através de um relato de uma extraordinária conquista territorial alguns dos ensinamentos sobre o planejamento estratégico e revimos 5 coisas que não podem faltar neste processo.
De acordo com uma ferramenta de gestão estratégica proposta para startups, que foi publicada na Harvard Business Review, baseada em recente pesquisa realizada por professores do MIT, devemos identificar duas dimensões estratégicas possíveis. A primeira delas é a atitude que o empreendedor terá perante os players existentes no mercado, ou seja, é possível colaborar, cooperar, fazer uma parceria ou se deve com eles competir? Esta decisão será discutida adiante.
A segunda estratégia está relacionada com a atitude do empreendedor ou gestor perante a inovação. Há também duas opções possíveis, seja através da proteção intelectual da inovação de um produto ou serviço que proporciona uma vantagem competitiva sustentável, seja através de um processo ágil e constante de inovação, desprovido de proteção intelectual, mas munido de um rápido desenvolvimento de produtos e uma veloz penetração no mercado.
Competir ou cooperar
Cooperar significa por um lado a possibilidade de se aproveitar canais de vendas e distribuição já estabelecidos pelos atuais players. Isso em tese permite entrar no mercado mais rapidamente. No entanto, parceiros grandes e burocráticos podem significar demora e conquista de pequenas fatias do bolo da cadeia de valor.
Competir com os atuais players oferece oportunidades de desenvolvimento da cadeia de valor de forma mais livre, como melhor lhe convém. Desta maneira é possível aproveitar clientes que o concorrente negligenciou e ofertar uma proposta de valor que que substitua com distinção os outrora bem sucedidos produtos e serviços existentes no mercado. Entretanto, competir com quem tem mais recursos financeiros e com quem dispõe de infra-estrutura estabelecida significa um desafio que pode gerar desvantagens.
Proteger a Inovação ou Ter Agilidade e Frequentemente Inovar
Proteger a propriedade intelectual de uma valiosa e rara inovação proporciona vantagem competitiva sustentável para a empresa. Tal opção é dispendiosa, porém concentrar-se no desenvolvimento rápido de novos produtos ou serviços sem preocupação com a proteção da propriedade intelectual acelera a comercialização, a penetração no mercado e a geração de resultados, que podem ocorrer através de estreita colaboração com clientes e parceiros. Isto gera vantagem competitiva que embora seja temporária, pois pode ser copiada, pode ser frequente renovada.
Estratégias para o Empreendedor
Essas duas dimensões — atitude perante os players (concorrência ou cooperação) e abordagem da gestão da inovação (proteção ou agilidade no desenvolvimento e comercialização) — fornecem 4 possíveis estratégias que podem ser vistas na matriz abaixo. Cada uma dessas estratégias será discutida em seguida.
Fonte: Adaptado de Gans, Scott e Stern (2018)
Estratégia de Propriedade Intelectual
Nesta estratégia as empresas adotam uma postura de parceria e cooperação com os players do mercado e investem na proteção e controle de sua tecnologia. O foco da startup é na geração e desenvolvimento de ideias que agreguem valor aos clientes dos players, seus parceiros.
O quão melhor se encaixam as ideias desenvolvidas pela startup na estratégia e operação do player, maiores as chances de êxito da parceria. Por esse motivo, investimentos em tecnologias generalizáveis devem ser os preferidos. A identidade da startup se refletirá no desenvolvimento das inovações.
Um caso real emblemático ilustrado pelos pesquisadores é o dos Laboratórios Dolby, empresa especializada em áudio. As tecnologias de redução de ruídos foram patenteadas pelo seu inventor, Ray Dolby, em 1965 e mantêm a liderança de mercado por mais de 50 anos. Milhões de espectadores se emocionaram assistindo filmes como Guerra nas Estrelas e tantos outros, que foram abrilhantados com a qualidade e os efeitos sonoros em grande medida proporcionados pela tecnologia Dolby.
De acordo com os pesquisadores do MIT, o sucesso da Dolby só foi possível através da interação da empresa com diretores de filmes, produtores musicais e audiófilos. A empresa permitiu que sua tecnologia patenteada fosse explorada pela Sony, Bose, Apple, Yamaha e tantas outras marcas.
Ainda segundo a pesquisa, a estratégia de Propriedade Intelectual se mostrou vencedora também em setores de plataformas de tecnologia (Qualcomm), intermediários do mercado (Getty Images) e outros.
Estratégia de Inovação Disruptiva
Esta estratégia é oposta a de Propriedade Intelectual, ou seja, as empresas que decidem por ela optaram por competir diretamente com os players do mercado, enfatizando a comercialização da ideia e o rápido crescimento da participação de mercado, não o controle de suas tecnologias.
Como o aumento da competição pode reduzir a lucratividade do setor, a estratégia não propõe o enfrentamento direto, o que provocaria uma forte resposta do competidor, o que pode ser potencialmente fatal. A startup deve se esforçar para rapidamente desenvolver competências, recursos e conquistar a fidelidade do cliente para que, quando os competidores finalmente acordarem, ela esteja muito à frente, dificultando a possibilidade de imitação.
A identificação de um nicho de entrada é relevante nesta estratégia, pois permite que a startup desenvolva credibilidade e explore, sem fazer barulho, novas tecnologias. Embora nestes casos geralmente os competidores possam adotar a mesma tecnologia que começa a se instaurar, não há como eles tirarem o foco de suas operações já consolidadas para investir em algo a princípio incerto e inicialmente com margens baixas (já que os custos no início das curvas de experiência e de escala não são favoráveis).
A estratégia da Netflix exemplifica esta estratégia de Inovação Disruptiva. O canal de distribuição da Netflix por si só já foi uma inovação no final da década de 90 do século passado. O nicho inicialmente atingido pela Netflix era de cinéfilos, em vez do público geral. Sua inovação consistiu também no sistema de recomendações de filmes, que reforçou o relacionamento da empresa com seus clientes. De início, a Blockbuster não levou a sério a Netflix por não atender prontamente seus clientes tradicionais, mas depois viu a lucratividade de suas lojas diminuir e, por fim, desapareceu.
Estratégia da Cadeia de Valor
Nesta estratégia a startup dá foco na criação de valor para parceiros existentes na cadeia de valor. Assim como na estratégia de Inovação Disruptiva, não há investimentos para proteger sua inovação. No entanto, ao invés de partir para a competição, a opção estratégica aqui é a cooperação, a parceria.
A gestão da fabricante chinesa de produtos eletrônicos Foxconn exemplifica esta estratégia. A empresa produz em escala os produtos da Apple e outros, e entrega em tempo para o mercado global. Em vez de competir agressivamente a Foxconn oferece sua competência única aos players deste mercado e são guiados pela tecnologia e clientes de seus parceiros.
Estratégia Arquitetônica
Enquanto a estratégia da Cadeia de Valor não requer muita publicidade, a Arquitetônica tende a ter grande visibilidade pública. Nesta estratégia a startup entra em competição com os players, protege e controla sua inovação.
A totalmente nova cadeia de valor dessas startups, a competição que pode ser intimidadora e a exigência de alta publicidade não reservam esta estratégia para muitos. Os exemplos de empresas que empregaram a estratégia arquitetônica são nada menos que Facebook e Google. A Facebook desde o seu início não cobra taxas de assinaturas, mas a dinâmica da mídia social “aprisiona” os usuários na plataforma. Não por acaso os empreendedores que escolhem esta estratégia acabam desenvolvendo mais plataformas do que produtos.
Estratégia e Budgeting
Os empreendedores devem escolher a estratégia que melhor melhor se alinha com o propósito que originalmente foi vislumbrado para o empreendimento. Definida a estratégia, são necessários recursos para tirá-la do papel e colocá-la em prática.
Existe uma forte relação entre estratégia e budgeting, pois este é a tradução do planejamento estratégico em ações de curto prazo. O budgeting é particularmente útil quando os recursos são escassos, situação comum à esmagadora maioria das startups, especialmente as brasileiras. As ações para colocar a estratégia em prática devem ser planejadas no exercício orçamentário, considerando-se os valores monetários nelas envolvidos, que geralmente tornam-se as metas da empresa.
Caso sua organização não tenha realizado um planejamento estratégico, ainda assim é possível realizar o budgeting. Neste caso parte-se de premissas bem gerais. O gestor deve ter em mente respostas para perguntas fundamentais tais como: Quanto que se espera vender no período (mês, trimestre ou ano)? Qual o crescimento almejado, quais recursos (humanos, materiais, tecnológicos, financeiros) são necessários? Qual é o modelo de negócios para gerar receitas e qual é a política de preços e vendas? Qual o resultado financeiro que se espera no período?
Desafios do Budgeting para Startups, Pequenas e Médias Empresas
A gestão orçamentária para startups, pequenas e médias empresas deve ser simplificada. O uso de planilhas no iniciozinho de vida da empresa até funciona. No entanto, com o passar do tempo e a evolução da organização, as empresas enfrentam os seguintes problemas no processo de budgeting:
Uso de muitas planilhas, podendo chegar a dezenas ou mesmo centenas delas;
Nenhuma integração com o sistema integrado de gestão (ERP);
Processos manuais para carga dos dados, sejam eles estruturais, históricos e orçados, para as planilhas e outros sistemas de planejamento e controle;
Problemas de manutenção da informação, tais como por exemplo um produto novo (aparentemente simples, mas na prática pode significar dor de cabeça);
Pessoas dedicando-se a um trabalho intenso, geralmente com muitas horas extras durante o ciclo orçamentário;
Problemas de desempenho das planilhas (lentidão) em função do grande volume de dados;
Dificuldades para a distribuição das planilhas para input e principalmente para a consolidação;
Reclamações de usuários devido a inadequada usabilidade (por exemplo: proteções de células, recurso fundamental para o processo de consolidação, podem irritar usuários, etc.);
Processos longos, muitas vezes manuais e repetitivos para a criação de relatórios;
Dificuldades para se elaborar cenários e simulações;
A Ajuda da Tecnologia
Para evitar estes percalços, atualmente há tecnologia disponível e acessível às pequenas e médias empresas. Há no mercado oferta de soluções simples que permitem uma gestão orçamentária profissional sem o uso de planilhas. Softwares tais como Prophix, Budget Maestro e o brasileiro Treasy, dentre outros, facilitam o processo de budgeting, inclusive para empresas de menores portes e em estágios iniciais de vida.
O Controle
De nada adianta trabalhar em um processo geralmente longo de planejamento, mesmo que muito bem feito e não se cuidar de uma rotina de controle. É necessário avaliar se o que foi planejado está sendo cumprido a contento. Os referidos softwares podem ajudar também nesta área de controle orçamentário, processo fundamentalmente indissociável ao budgeting, mas que na prática algumas empresas se esquecem disto.
O acompanhamento e a avaliação dos indicadores de desempenho e eventuais correções de rumo de ação ou eventuais revisões orçamentárias são partes importantes desse processo de controle orçamentário. A gestão da empresa precisa estar apta a devidamente realizá-los.
Comece Simples
No início do ciclo de vida das empresas, é comum que o processo orçamentário seja o mais simples possível e sua abordagem seja centralizada. Isto significa que a diretoria é a única envolvida, os colaboradores ficam de fora do processo e o detalhamento do plano é mínimo. A vantagem desta modalidade orçamentária é a sua rapidez. Como desvantagens, o engajamento e o comprometimento dos colaboradores, assim como o nível de análise e controle do desempenho empresarial tendem a ser menores .
Aprimore e Tenha Sucesso
É desejável e com a ajuda da tecnologia é possível que, na medida em que a empresa cresce, sofistique-se um pouco mais este processo. Esta sofisticação permitiria, por exemplo, que o gestor avalie em que canais de vendas as suas metas estão sendo atingidas ou não, identifique quais os produtos estão tendo um melhor desempenho de vendas em que região ou área de vendas, etc. A Agemed, por exemplo, empresa Catarinense que cresceu mais de 60 vezes o seu tamanho em 12 anos, assim como tantas outras organizações fazem uso de um processo de budgeting para dar suporte à gestão do crescimento.
Como visto no artigo Sua empresa está crescendo! Você sabe o que isto significa?, "para crescer, a empresa precisa ter visão estratégica, dispor de fôlego financeiro, fazer ajustes operacionais durante o processo de crescimento, criar valor sem se expor demasiadamente a riscos, assegurar que sejam satisfeitas as aspirações dos stakeholders envolvidos no negócio, garantindo que parte do valor criado pela empresa seja por eles capturado".
Conclusão
Sim, estratégia e budgeting para startups são ferramentas de gestão que podem dar qualidade ao processo de crescimento. Sabemos que crescer por si só não significa necessariamente sucesso. Pode significar o contrário! O desafio do crescimento é geralmente bem maior do que se pensam. Decidir entre a competição e parcerias (cooperação), entre proteger sua inovação ou ser agressivo no desenvolvimento e comercialização da inovação são caminhos estratégicos interessantes para startups, pequenas e médias empresas.
Identificando a melhor estratégia, planejando e gerindo adequadamente os recursos através do budgeting, maiores são as chances de que este caminho seja promissor.
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